ZEZA AMARAL

Acreditem, internautas do planeta, que Campinas já teve sua boemia. E das boas. Quase inqualificável naquilo que a boemia nasceu para ser. Por ser daquela de dar inveja nas melhores dores de cotovelo ou paixões embriagadas quando amores mil se atiram entre mesas e copos antes da madrugada final ou numa cama qualquer. Boemia de bares onde artistas se apresentavam nos palcos improvisados ou fixos. E isso era o que não faltava. Desde os Anos 50 do milênio passado até os 80 finais dos mesmos 100 anos foram 40 décadas onde era possível misturar solidão e alegria, conquistas e perdas, abraços e despedidas com um violão dedilhado, uma voz atinada na poesia e o piano a virar as teclas em revirada canção primeira. Por isso, acreditem internautas do mundo, o que se vê hoje é quase nada e muito pouco do que a cidade já foi.

E um dos artistas que marcou essa época é o hoje septuagenário recente Zeza Amaral, que de calças curtas já tocava na Rádio Educadora a acompanhar artistas no auditório que havia lá, com seu inseparável bongô. Depois foi a vez de muita estrada, conjuntos, trios, bandas, banquinhos solitários, noites, palcos, madrugadas e onde houvesse lugar para tocar ou cantar a até o raiar do sol – e depois. Afinal, como já dizia o poeta, o artista tem de ir onde o povo está. E como havia povo nas ruas quando a coruja piava para viver o mundo que só a lua embriagada de nuvens no céu pode dar...

Num dia de chuva forte, dessas que lava a alma e o passado, Zeza Amaral recebeu o Cantares e Esquinas na sua casa. Sob a supervisão de Dércio Marques, um canário norte-americano que Zeza garante ter onze cânticos diferenciados. Seu nome homenageia um grande músico e poeta já morto. “Ele é como o Dércio: quando o cara vinha aqui em casa e começava a cantar, não tinha quem fizesse ele parar. O canário tem horas que fica mais de 20 minutos a trinar”, diz. Com vocês, o compositor, poeta, cronista, jornalista, músico e pontepretano nascido em Atibaia mas em Campinas desde os três anos. Logo, campineiro de alma e coração. Parte viva da história musical da cidade e de quem viveu anos de chama acesa na mesa de um bar, fosse esta em forma de vela ou do olhar perdido entre a íris da mulher amada e o coração do poeta a sonhar. 

“O meu pai tocava violão. Eu devia ter uns 12 anos quando percebi que queria ser músico. Apesar de que eu remonto ainda mais para trás, quando eu tinha uns três anos de idade, em Atibaia, que é a terra em que eu nasci. Lá a minha avó paterna Lucinda me levava para ver a Folia de Reis. Ela costumava pegar os netos pela mão e levava. Eu achava aquilo fantástico, porque era uma grande festa. Depois meu pai se mudou para Campinas e seguiu a vida da família no Taquaral, na rua José Vilagelin Neto, número 5. Meu pai de vez em quando cantava alguma coisa dentro de casa. Naquele tempo tinha a Rádio Nacional do Rio, onde se apresentavam Orlando Silva, Chico Alves e os grandes cantores e cantoras do Brasil. E eu gostava de ficar ouvindo aquilo. Minha mãe adorava. Depois, com onze ou 12 anos o meu pai mudou de casa, ainda no Taquaral, e fomos morar na rua Ana Gonzaga, 356.”

“Eu tinha um irmão, o Luiz, que já é falecido, que era bancário mas adorava música. Daí ele comprou um bongô para tocar. Mas não tinha vocação e quando saía para o trabalho eu pegava o bongô dele e ficava tocando. Depois comprou um pandeiro e também não conseguiu tocar. E eu fazia a mesma coisa: pegava o pandeiro para aprender a tocar. Não bastasse, comprou um violão. E não tocou. Meu pai é que tocava o violão e pegava de vez em quando. Tocava algumas peças de solo. Era limitado, porque ele não era um virtuoso. Mas eu ficava observando a mão do meu pai no instrumento. Então, quando ele e meu irmão saíam para trabalhar, pegava o violão e tentava tocar e reproduzir o que meu pai fazia. Com isso, aprendi a tocar. Quando meu irmão descobriu que eu estava pegando escondido o instrumento, me deu de presente. Foi quando eu, de ouvido, fui aprendendo mais. A visualizar os violonistas que passavam na TV Record. Via as posições deles e fui descobrindo o processo de harmonia do violão. Também tive contato com outros músicos, tudo na época do frescor da Bossa Nova. Tive nesse tempo um amigo, que se chamava Dedé e morava no Cambuí, que também tocava violão. Lembro que a primeira harmonia que aprendi com ele foi o Samba da Bênção, do Vinicius de Moraes (http://www.viniciusdemoraes.com.br/). A partir dali ele começou a me ensinar outros acordes dissonantes. E comecei a tocar Bossa Nova e a cantar. Até então eu sequer sabia que poderia cantar. Começaram então as rodas de amigos a tocarem juntos, cada dia na casa de um.”

Rodas de amigos a tocarem juntos. Essa coisa já deu o que falar em vários cantos do Brasil e trouxe pérolas e descobertas para a música popular brasileira. Que serviu de ponto de partida para parcerias e poesias que se perpetuaram, ensinaram, difundiram aprendizado. Na vida de Zeza Amaral não seria diferente. 

“Em 1961 ou 1962, eu conheci o Paulo de Tarso Meira e tinha um mineirinho que tocava bongô. Ele era ciumento com o instrumento dele e não deixava ninguém tocá-lo. Nem eu, que sabia tocar bongô. Daí nós formamos o conjunto do Ginásio do Taquaral. Montamos um grupo. O Paulo tocava bateria, o mineirinho o bongô. Tinha também um sanfoneiro bom e o Emílio que tocava violão. Eu era no afoxé, além de ser o cantor da brincadeira. Dali passaram uns anos e eu encontrei o Pedro Buffulin, que hoje é um grande músico da noite de Campinas e que, na época, com 14 ou 15 anos, tocava piano muito bem. Conversei com ele e veio depois o Lourival, que tocava guitarra. E o Pedrinho se interessou pela guitarra e ganhou depois uma de um tio dele. Como eu já tocava violão, ensinei a ele alguns acordes. E ele aprendeu rapidíssimo. Aí veio o Luiz Moneda, que hoje é um contabilista aposentado e construiu o próprio contrabaixo para tocar com a gente. Fundamos o nosso primeiro grupo – The Snakes. Os Cobras. E deu certo.”

“Tocávamos Roberto Carlos e as músicas do Neil Sedaka e do Paul Anka, além de tantos sucessos mais. A crítica na época chamava o que a gente fazia de Surf Music. Eram as músicas que passavam muito no cinema. Às vezes a gente ia no cinema dez vezes só para decorar a música que estava tocando lá. Começamos a fazer bailinhos já com cachê. Mas, antes disso, quando eu tinha uns 13 anos, juntei com o Luiz Carlos Faiz, sanfoneiro, e o Ênio, que tocava bongô. E fomos nos apresentar na Rádio Educadora, que tinha auditório. Depois, acabamos contratados para acompanhar os cantores que vinham se apresentar na rádio. Ficamos lá uns seis meses e não lembro porque desfizemos o trio regional. A gente tocava de calças curtas. Quando eu tinha 16 ou 17 anos fui para o The Kings, que era o novo nome do The Snakes. Éramos eu, o Pedro Buffulin, o Moneda, o Lourival e o Ademir na bateria. Nosso alvo era matinês de clubes e festinhas, até fazermos um repertório bom e começarmos com bailes também. Fomos até 1966 nessa balada.”

FESTIVAL COM PRÊMIO

“Em 1966 ganhamos um festival da Ordem dos Músicos do Brasil, que era recém-fundada, e gravamos um disco em São Paulo. No disco eu cantei uma música chamada ‘Neusa’, que era de autoria do presidente da Ordem dos Músicos do Brasil em Campinas. Mas aquele tempo era uma safadeza, porque já estava instaurada a ditadura militar no Brasil. Onde todo o mundo para ser músico era obrigado a ter a carteirinha da Ordem. Aquilo era uma encrenca. Mas com a gravação desse disquinho de quatro músicas, do The Kings, eu tive direito à carteira. Nesse ano acabei também sendo contratado pelo The Guitar Boys, um grupo de São Bernardo do Campo, para cantar com eles como crooner. Fiquei lá por quase dois anos.”

Mas a vida de Zeza Amaral ia mesmo ter uma guinada importante a partir de um restaurante que um casal de franceses iria montar em Campinas no final de 1953. Um restaurante top de linha, onde se falava francês, inglês, alemão e italiano para a clientela; a cozinha e o cardápio eram de primeira qualidade, ainda com talheres e cálices imbatíveis. Decoração ímpar e de bom-gosto fechavam o quadro. E não bastasse, um casal onde a dona revolucionaria a vida da pacata sociedade. Ela foi, por exemplo, a primeira mulher a usar biquíni num clube de Campinas.  

Nos anos 60 eu fiquei sabendo que o Restaurante Armorial, que ficava na General Osório, estava precisando de um cantor. Ele era do Ângelo Lepreri e da Solange Lepreri. Foi o primeiro lugar a ter música ao vivo em Campinas. Daí o contrabaixista do Armorial, na época o José Prates, me chamou para fazer um teste lá. Acabei sendo aprovado para ser o cantor do restaurante. O conjunto de lá era o Zé Prates de contrabaixo, o Cavaleri de bateria e o Arnoldo no piano. Foi ali que eu entendi o que era o processo musical e profissional. Fiquei quase sete anos lá. Mas, nesse meio tempo, em 1968, eu fui contratado também pelo Conjunto Paulo Afonso, que era um sexteto. Fazíamos bailes no estado inteiro. De segunda a sexta eu cantava no Armorial e nos sábados viajava com a banda.”

“Em 1970, o Sapo, que era o band leader de um grupo de Valinhos chamado Fórmula Seis, teve um problema de calo nas cordas vocais e estava perdendo a voz. Ele era contrabaixista e cantor do Fórmula Seis. Mas, quando ele teve esse problema na garganta, me chamou. Fui contratado para cantar no grupo dele. Para mim foi importante porque o Paulo Afonso já estava acabando. Em Valinhos encontrei de novo o Pedro Buffulin, que ficava com o teclado. Na verdade, já era um sampler. Tinha ainda o Osmar Mariano, o ‘Ratinho’, na bateria. O Lourival guitarrista e percursionista. Eu fazia percussão e cantava. Em 1971, o Laércio de Freitas, grande maestro, ficou conhecendo a gente. Na verdade, em 1969 ele já tinha lançado uma música do chamado ‘som roceiro’. A música se chamava ‘Capim Gordura’. Foi ele que propôs para nós começarmos a fazer som roceiro. E propôs mudar o nome do conjunto para Banda do Brejo. Já tocávamos de tudo nos bailes. Mas, nessa época, o Lourival, por problemas de faculdade – ele fazia Engenharia –, saiu do grupo. Então quem entrou foi o Sapinho, irmão do Sapo, grande guitarrista e cantor. Até que um dia apareceu, por indicação do Laércio de Freitas, o Luiz Ceará – que hoje é jornalista esportivo. Ele entrou na banda para cantar como segundo crooner. Em 1972 resolvemos gravar um compacto duplo para manter o som roceiro, naquela onda, uma tiração de sarro diante da ditadura. Mas deu um problema. Quando nós gravamos ‘Arnarda’, a música que seria o carro-chefe do disco, a censura barrou. Tudo porque tinha no refrão uma frase mandando a Arnarda para a ponte que partiu. A censura não aprovou a ponte que partiu e nós tivemos de mudar a música. Mas perdermos o carro-chefe.”

Hoje, qualquer um manda as pessoas para bem mais longe do que a ponte que partiu, mas nos tempos das botas e carabinas não era bem assim. E qualquer brincadeira, por mais sarrista que fosse, era calada. Mas, se Arnarda não pôde ser mandada para tal lugar por ter largado do guarda do Rio Tietê, a Banda do Brejo seguiu firme, até diante da realidade de ser banda – termo que representava naqueles tempos outra realidade no número de integrantes e repertório, para os leigos de retretas e marchinhas.  

“Nosso empresário na época também ficou bravo com o nome de Banda do Brejo. Ele dizia que não dava para vender um grupo com esse nome. Mas nós fomos o primeiro grupo do Brasil a usar o nome de banda. Ele dizia que seria difícil chegar num clube para vender uma banda. Mas nós tiramos uma foto maravilhosa, que é era um puta de um cartaz de bem mais de um metro de altura e largura. Em sépia. O cartaz era lindo e nós éramos todos jovens, cabeludos. O cartaz vendia a gente. Viajávamos de terça-feira até domingo por todo o estado de São Paulo e parte de Minas Gerais. Quando foi 1974, cansei daquela vida e saí da banda. Logo depois o Ceará saiu também. Ele estava fazendo escola de Jornalismo. No nosso lugar entrou o Jessé (http://dicionariompb.com.br/jesse), um baita de um cantor. A banda seguiu até 1994 e parou porque essa era uma época em que não se fazia mais baile.”

“Em 1975 quando eu saí da banda fui contratado pelo Quarteto do Hortêncio, que era o Raul na bateria, a mulher do Hortêncio como cantora, o Meirelles de saxofonista e um guitarrista que eu não lembro o nome. O Hortecinho tocava órgão Hammond com pedaleira. Ele fazia o contrabaixo no pé. Nós só tocávamos no Sírio e Libanês, Ermitage, locais chiques de São Paulo e grandes eventos de empresas, tudo top de linha. Ficamos nessa uns dois anos. Mas aí o Hortecinho separou da mulher a acabou com o grupo, indo para Nova York. Logo em seguida fui contratado por um grupo chamado Patota. Passei a fazer baile novamente e o conjunto virou depois o 707. Fomos um dos primeiros grupos a tocar músicas brasileiras nos bailes. Tocávamos Caetano, Gil, Vinicius e colocávamos músicas internacionais e rocks. Foi um tempo maravilhoso. Em 1979 ou 80, o Gato, que era integrante e dentista não conseguiu mais ir tocar. Preferiu ser dentista. O Fuça foi para outro grupo e o Estevinho, que era o nosso organista, abriu um estúdio de gravação que existe até hoje e é excelente. O Airton, nosso contrabaixista, infelizmente faleceu e eu comecei a me dedicar mais a tocar em barzinho aqui em Campinas e São Paulo. Só eu e o violão. Foi quando voltei a compor.”

Das composições recuperadas à vida de Zeza Amaral surgiram pérolas da música, coisa reconhecida nacionalmente em premiação. Onde os amores das morenas e as dores de amores se misturavam ao Rio Atibaia, pitos de palha, luares, estradas de poeira, saudades e paixões. Um universo de corações doidos ou doídos, céus de estrelas, rodamoinhos, sonhos, beijos e abraços achados ou perdidos. Tempo em que a esperança de um novo Brasil surgia nos ares, longe das baionetas.

“Em 1986 gravei o meu primeiro elepê, um disco em vinil com arranjo do Paulo Pugliesi – o ‘Clareia’. Quem conseguiu a gravação para mim foi o Osvaldo Guilherme (http://dicionariompb.com.br/osvaldo-guilherme), grande compositor que foi quase um segundo pai para mim. Isso, o convite, foi em novembro de 1985. Ganhamos com o ‘Clareia’ o primeiro Prêmio Sharp de Música como melhor arranjo regional, em 1987 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Vencedores_do_Pr%C3%AAmio_Sharp_de_1987#Categoria_instrumental). Na verdade, quem ganhou foi o Paulo, que foi cara que fez os arranjos. O diretor musical da 3M na época era o Moacyr Machado, que era de Campinas. Fizemos o disco em 28 dias. Começamos então o processo de trabalhá-lo. Mas, depois de um ano a gravadora, que era a 3M/RCA Victor, deu problema. As gravadoras tinham feito uma joint venture e o pessoal da 3M estava pegando dinheiro, desviando. Daí a 3M internacional decidiu fechar a fábrica. E fechou. Fiquei perdido. Já não tinha mais a gravadora, mas consegui vender 33 mil discos na época. O acervo da 3M então foi vendido para a Continental. Eu fui lá, mas eles não se interessaram em manter o disco. Aquilo dependia muito de propina. Quando a Continental fechou, o acervo foi vendido para a Warner Music. Fui lá também para tentar resgatar a fita master do meu disco, mas o pessoal me pediu US$ 150 mil. Daí decidi parar com isso e em 1986  encerrei a carreira de músico profissional e voltei a tocar só em barzinho.” 

“Teve uma passagem legal antes. Eu, a Celinha (que era professora de Matemática, boêmia e com uma voz lindíssima), o Serginho (que era da Orquestra Sinfônica e tocava contrabaixo), o Paizão, percursionista, às vezes nos encontrávamos para tocar. Aliás, foi com o Paizão que eu aprimorei o que sabia de percussão. Na época, lá por 1970 e uns tantos, ele era da orquestra de Jorge Cury, que ensaiava no antigo Clube Luís de Camões. Toda a quarta-feira eu ia lá e via o Paizão tocando. Ele, depois do ensaio, sempre me ensinava algo. Engraçado que anos depois eu encontrei o Alfredinho Soares lá na Adega Florence e fiquei sabendo que ele era filho do Paizão. Acabamos virando parceiros. Nesse processo todo, conhecendo o pessoal, sempre na Adega Florence, que ficava na avenida Carolina Florence, tomamos de assalto o bar, que era do Paulo Nazareno e do Giuseppe. A gente se reunia todas as noites e madrugadas e acabamos atraindo um grande grupo de pessoal da PUC e da Unicamp. Era um forfé. Eu e o Alfredinho fazendo música nesse tempo. Mas, em 1978, os donos falaram que iam mudar o bar para uma quadra acima. Só que eu sabia que não ia dar certo a troca de endereço. A Adega Florence antiga era um furdunço. Mesas com barril de vinho com uma tampa em cima, barata para tudo quanto é lado, um sanduíche que você só comia porque estava com fome. Mas a pinga era boa e a cerveja e a vodka geladas. Era um lugar legal. Mas eles não me ouviram, mudaram e não deu certo.”

Nas estórias, resta perguntar que horas são? Madrugada está berrando lá fora e a barriga roncando aqui dentro? O quê? São três horas ou mais da matina? Esquece, não há onde aplacar a larica ou fazer uma janta/café da manhã. Estamos no romper de uma década de 80. Campinas com seus quase 600 mil habitantes não saberá resolver a questão? Ou não...

“Foi quando o Celso e Turíbulo, que eram funcionários da companhia aérea Braniff, resolveram abrir um boteco lá no Cambuí, na rua Irmãos Bierrembach, defronte ao Largo Santa Cruz, que foi o Bate Papo, um casarão antigo e velho, a antiga República Palácio. Teve época que quase 40 estudantes moravam lá. Foi quando todo mundo aprovou a ideia e adotou o Bate Papo, pois ele era mais central e só fechava às cinco da manhã. Era uma casa antiga e gostosa. Os únicos que tinham direito a tocar violão lá dentro éramos eu, o Pezão e o Cesinha. Ninguém mais. Se chegasse outro cara lá, que poderia ser um Raphael Rabello ou Yamandu Costa, não deixavam. Foi dentro do Bate Papo que resolvemos fazer o show chamado Olho de Prata. O nome do show quem deu foi o J. Toledo (https://pt.wikipedia.org/wiki/J._Toledo). Ele foi nosso diretor artístico e cenógrafo, junto com o Geraldo Jürgensen. Nós ensaiamos quase quatro meses direto e estreamos lá no Centro de Convivência. Fizemos três apresentações com casa cheia. Depois, o diretor do teatro, que na época era o Carlos Braggio, nos deu mais uma semana e enchemos de novo. Mas eu não sei porque, sei foi por preguiça, nós não demos continuidade ao show em outras cidades.” 

“Em 1981, eu a Celinha, o Alfredinho, o Raul baterista e meu irmão Djalma resolvemos abrir um bar chamado Água Furtada em cima da Adega dos Arcos, na rua São Pedro, quase esquina com a Conceição. Ficamos lá uns seis meses, mas começou a dar problema com a imobiliária e fechamos o bar. Daí, em 1981, eu, o Alfredinho e o Jacó – amigo meu de infância e compadre do Alfredinho – reabrimos o Água Furtada na esquina da Antonio Cezarino com General Osório, no Cambuí. Aí bombou. Fomos o primeiro bar a ter música ao vivo no Cambuí. Eu e o Alfredinho nos revezávamos no violão enquanto o Jacó cuidava do caixa. Logo em seguida foi que surgiu o Bar Sentimento, do Cesinha e do Mandrake, e depois o Zincão, que virou Ilustrada. E tinha o Contramão, o Natural, Candeeiro... e a música se espalhou por lá. Veio a grande explosão da música nos bares na região. Mas começou a ter problemas na sociedade do Água Furtada e eu caí fora. Voltei a tocar em outros barzinhos e me dedicar mais ao Jornalismo, coisa que já vinha fazendo desde 1970.”

O Água Furtada foi um ícone no mundo dos bares da cidade. Só teve ele de igual. Ficava numa casa de uma Campinas quase colonial, feita em taipa e madeira nobre, e unia o jeito bucólico a um espaço onde o cardápio era desenhado, por exemplo, por J. Toledo. Que unia a intelectualidade, a boemia e os estudantes e passantes de forma igual. Além de uma cozinha de abrir gostos e papilas, música ao vivo de qualidade, dava aos apreciadores da aguardente de cana duas opções próprias: uma branquinha – Ferramenta de Poeta – e uma amarelinha denominada ‘Xixi de Musa’. Na Ferramenta de Poeta vinha também um lápis e um caderninho que era para a verve da poesia alheia se largar noite afora aos ébrios de amores ou madrugadas.

“Toquei o barco para a frente, tinha família para sustentar. Mas em 1990, o Ayrton Salvanini, ator, apelidado de Foguinho, tinha sob a sua batuta um teatro de repertório que apresentava para estudantes. Ele me convidou para fazer um show chamado ‘As Prosas e Poesias de Vinicius de Moraes’. Eu com o meu violão cantava as canções e ele declamava as prosas e poesias de Vinicius. Foi maravilhoso. Nós estreamos num teatro de São Paulo e ficamos lá por 20 dias. De lá saímos para as escolas e viajamos muito. Depois desse show do Vinicius, criei o ‘Classes Perigosas’, que era uma pequena história da música de protesto no Brasil, para contar a história da arte na ditadura. Tinha poema do Alex Polari e Manuel Bandeira, entre outros, com música do Chico, Gil, Caetano, Vandré e Taiguara. Músicas que foram censuradas. Foi um sucesso também. Viajamos quase dois anos com esse processo. Até que eu cansei. Eu tinha cinco filhos e estava muito ausente daqui. Voltei para tocar em barzinho e segurar a onda. Desse jeito foi até 1995. Aí a minha companheira Keula Ribeiro ficou muito doente, com câncer, e em 96 faleceu. A minha vida deu outra guinada. Eu fiquei sem chão. Mas aí a boemia também já tinha mudado. Ninguém mais queria saber de bossa nova, samba-canção, bolero. O pessoal queria saber era de axé e música sertaneja, que eu não cantava. Fui perdendo o meu espaço musical e acabei encerrando minha vida de boemia e me dedicando ao jornal, depois da minha volta para o Diário do Povo, em 1997. Hoje, de vez em quando, faço apresentações em universidades ou dou palestras. Agora estou quieto. Estou gravando um disco no estúdio da Banda do Brejo e só falta uma música para terminar. Terá samba, samba de breque, baião, valsa e fado. Espero que com ele eu retome a minha carreira musical, apesar dos meus 70 anos.” 

Mas será que mesmo poetas da música como Zeza Amaral ainda têm espaço numa cidade em que os cantores foram jogados para longe da região central e os lugares com MPB de qualidade deram lugar a outros gêneros talvez pouco recomendáveis para os ouvidos que procuram ainda sonhar?  

“A lei do ex-prefeito Edivaldo Orsi, de 1996, que proibiu músicas em bares depois das 22h matou o que havia de boemia na cidade. Aliás, os políticos não percebem o erro de uma palavra-chave hoje para muitos que é o ‘vamos revitalizar a cidade’. Ora, a cidade você só revitaliza com gente na rua. Quanto mais gente na rua, menos bandido. Você tem é que dar segurança para as pessoas irem para a noite, curtirem boate, baile, barzinho, tomar a sua cerveja sossegado. E o Edivaldo Orsi, assim como Ruy Novaes em 1965, que derrubou o Teatro Municipal, acabaram com a vida cultural aqui. A maioria dos boêmios sai à meia-noite para curtir. Ninguém sai às oito da noite para ouvir música. O Orsi até foi um bom prefeito, mas não tinha visão cultural, assim como o Ruy Novaes. Aqui, por exemplo, até hoje estamos sem teatro. O Centro de Convivência já nasceu morto. Eu lembro disso porque em 1974 eu e o Ayrton Salvanini, que era dramaturgo e escreveu uma peça chamada ‘Aquelas certas pessoas estranhas’, ensaiávamos no fosso do Centro de Convivência. E ali já gotejava e tinha umidade. Eu dizia: isso aqui não vai dar certo.”

“E como você constrói um teatro de arena em pleno centro da cidade, com carros passando do lado, fazendo barulho em volta? É o único teatro de arena do mundo que está num centro da cidade. O secretário de Cultura da época não entendia nada de Cultura. Orestes Quércia não entendia nada de Cultura. E o Fábio Penteado, que foi o arquiteto do Centro de Convivência, a mesma coisa. Na época eu já criticava e ele não falava nada. Durante muitos anos enquanto o Fábio Penteado era vivo, ele não deixava ninguém mexer no Centro de Convivência. Ele era para ter sido construído em cima da Lagoa do Taquaral, porque a água amplia a sonoridade. Mas o Quércia fez lá uma concha acústica que ninguém vai. Hoje o Teatro de Convivência está lá, abandonado. Já o coitado Teatro Castro Mendes, que já sofreu meia dúzia de reformas e ninguém resolve nada, pouco é usado. Hoje, como um cidadão septuagenário da cidade, tenho as minhas boas lembranças, mas enquanto a Lei do Silêncio não for derrubada a cidade perderá cada vez mais a sua boemia. E isso é esquecer a boemia como parte de um processo cultural do brasileiro e, principalmente, de nós campineiros. O que aconteceu depois de 1996 foi um linchamento da cultura de Campinas.”         

Para encerrar a entrevista, lembranças. Três crônicas do Zeza Amaral, publicadas no Correio Popular. Nelas, um tanto e pouco mais do cronista da cidade. Um músico de letras e acordes, notas e sílabas, esperanças e amores por Campinas e pela vida. Nelas, um novo lembrar e mostrar que as perdas nessas veredas da vida marcam e doem. Assim como o palco do Música à Vista! teve nessa entrevista, com certeza, orgulho e emoção de poder deixar um poeta falar. E como ele mesmo diria: ‘Melhor que isso tem igual, melhor não há!’   


Quando a saudade é notícia

As válvulas dos rádios avermelhavam o coração das moças quando o locutor anunciava: Agora, com vocês, Nora Ney cantando Franqueza: Você passa por mim e não olha/ Como coisa/ Eu fosse ninguém/ Com certeza você se esqueceu/ Que em meus braços/ Já chorou também/ Eu não ligo, porém/ Ao seu modo/ Isso é próprio de quem é infeliz/ Quer mostrar que não sente saudade/ De um passado que foi tão feliz/ Se eu quisesse/ Poderia dizer/ Tudo, tudo o que houve entre nós/ Mas para que destruir teu orgulho/ Se até mesmo esqueci sua voz/ De uma coisa eu tenho certeza/ Foi o tempo que me confirmou/ Que os melhores momentos de sua vida/ Em meus braços você desfrutou/ Você passa por mim e não olha... Já vinha daquele tempo, a preguiça dos locutores em citar o nome dos compositores das canções que faziam o sucesso de suas programações. A música acima, que fez sucesso ainda maior na voz de Maysa, teve mais várias dezenas de versões nacionais e internacionais, uma até em romeno — e chegou a ser uma das mais executadas no planeta. Minha irmã parava o que estivesse fazendo para ouvi-la e foi ela que me contou que os seus autores, Osvaldo Guilherme e Denis Brean, eram campineiros.

Saí da meninice para a adolescência ouvindo esses dois geniais compositores populares. No microfone de cristal da Boate El Cairo, onde cantava acompanhado pelos lendários Nicola Cego (piano), Walter Cabeleira (violão elétrico) e Matalo (bateria), eu repetia com prazer os pedidos das meninas da casa, caprichando nas notas altas para evitar o desamor das microfonias. Numa daquelas madrugadas, em 1969, o mestre de cerimônias da boate, Dodi Atanazi, deu a notícia da morte de Denis Brean, morto aos 52 anos. Um ano antes, o gentleman radialista da Rádio Educadora — PRC-9, Pereira Esmeriz, havia me apresentado o poeta e jornalista Osvaldo Guilherme.

Chorei a morte de um cara que nunca tinha visto, mas pelo que vi nos olhos tristes do seu eterno parceiro, o mesmo que havia escrito os versos de Raízes, magistralmente interpretado por Maysa: Nosso amor tem raízes profundas/ Quem olhar nos teus olhos me vê...

Denis e Osvaldo não tocavam nenhum instrumento e mesmo assim fizeram centenas de canções eternizadas pelos maiores intérpretes do Brasil de então, como as citadas Nora Ney e Maysa, além de Dircinha Batista, Francisco Alves, Altemar Dutra (que tornou Osvaldo seu confidente sentimental), Carmem Costa, Bethânia, João Gilberto, Ciro Monteiro e dezenas de tantos outros.

Ambos não tinham vícios boêmios, cigarro, bebida e mulheres. Denis só tomava refrigerante e foi apelidado de “sovaco ilustrado” por causa dos inúmeros jornais que levava debaixo do braço, durante o dia, para lê-los à noite, quando voltava pra casa. Osvaldo gostava de café e ficar contando engraçadas histórias do pessoal da vida artística. Como Drummond de Andrade, era um poeta de gabinete: trabalhou desde sempre no Instituto Agronômico de Campinas e rabiscava seus versos em qualquer pedaço de papel. E foi num desses, de embrulhar cigarros, amarrotado por tanto manuseio, que li, em primeira mão, espremendo um coração pontepretano, a letra do hino do Guarani Futebol Clube, também musicada por ele.

Eu estava em dores familiares quando Osvaldo Guilherme encontrou a rima final da sua bem vivida existência, encerrada no dia 10 de março de 1995, dois dias após completar setenta e seis anos. Denis Brean, batizado Augusto Duarte Ribeiro, virou nome de uma pequena rua, nascida aqui ao lado da RAC. Quando bate a saudade diária, costumo sentar praça num banco do jardim que lhe dá aconchego. É o jeito que achei para conversar com todos eles, atrás da última notícia que a saudade me oferece...

Bom dia. 

O travesseiro   

Nasci onde fui gerado: na cama de meus pais. Vieram a parteira e o meu avô com o canivete afiado a cortar o meu cordão umbilical – lembrança que hoje está comigo, a cicatriz primeira; além do canivete de herança que me coube de seus pertences, ainda hoje guardado na mala que faço quando parto em viagens.

Tenho um violão afinado em trastes do luthier Luiz Vasques, senhor dos comas, das notas exatas, da mais aguda até a nota grave, perfeita em sons naturais, digna e apaixonada frequência musical sem regulação física, apenas compreendida pelas ondas sonoras de tímpanos musicais de quem bem conhece o ofício da música dos pássaros e dos homens. E aqui falo do amigo Luiz Vasques. Meu violão – que antes pertenceu ao virtuoso violonista João Alexandre - tem a alma de todas as canções, de todos os músicos, em escalas menores e maiores, e tento eu descobri-los, os tais amigos, todos eles em suas menores intenções, que são as maiores que os levou ao supremo das notas que soltam em suas canções, quer seja em sulcos de antigos vinis, quer seja no silêncio abissal do CD, sem chiado, chato apenas pelo silêncio tecnológico, frio abissal que bem percebeu o saudoso Jota Toledo, mago das cores e sombras das paletas e câmeras fotográficas. Foi ele o primeiro a comprar um aparelho de execução de CD: “Eis o som sepulcral dos homens”, disse ele, ao exibir a sua nova geringonça tecnológica que executava uma sinfonia de Ludwig van Beethoven. Segundo ele, a arte precisa mais de barulho natural do que silêncio. Sábias palavras...

Fiz a juventude em serestas pelas ruas do Cambuí, violão no peito, e, bem me lembro de uma delas, quando o moço Tati apareceu com um violão de sete cordas, de precisa baixaria, e que levou a minha percepção musical aos acordes dissonantes. Dez anos depois, por volta de 1974, Tati apareceu na Adega Florence com a sua sincera harmonia. Eu seguia a toada das novidades da bossa-nova e ele vinha fiel ao contraponto do chorinho, em evoluções de baixo, harmonizando os médios do violão do Alfredinho e os agudos do cavaco do menino Pezão, que solava os grandes clássicos dos chorinhos.

Não sei mais por onde anda a alma do meu País e tampouco do que restou do sete cordas do Tati, do violão do Alfredinho e do cavaquinho do Pezão – sem contar que estou em memória enlutada por não lembrar da rapaziada do ritmo, da sustança do pandeiro, do afoxé e contrasurdo.

Não há mais bares e boêmios; não há mais ninguém a carpir o som da madrugada, a fazer um campo de canções, de recitar versos de Fernando Pessoa, Vinícius, Manuel Bandeira, ou de lavra própria, do cantar por cantar, de apenas viver pelo que se tinha naquele momento, de voltar a pé para algum lugar, de comer pastel na feira e, é claro, de cumprir os pecados da ressaca e, vida natural, a solidão profissional de mais um dia de trabalho.

Não tenho reclamo algum da vida que levo. Sempre faço, e fiz, o que gosto. Ganho a vida com dignidade e não saberia vivê-la de outro modo, visto que a minha vida também pertence aos meus amigos, aos meus filhos e parentes — e todos eles são gente de honesta atitude, de honestos atos cívicos, o que muito me comove e conduz às aflições que possuo para o enfrentamento do futuro que sempre está batendo na minha porta.

Minha mãe orava pelos seus, e pelos filhos de suas vizinhas. Dizia ela que a oração pertencia a todas as pessoas, sem distinção de valores morais.

Hoje lembrei-me dela, da sua voz firme e serena, dos seus quase 30 anos de solidão de lençol e travesseiro. E assim abracei a matriarca da família dos Ribeiro, Dona Emília Nogueira Amaral, minha sogra e xará de sobrenome, em completos noventa e cinco anos de idade. Ela também está em solidão de lençol e travesseiro. E não reclama de nada. Apenas resmunga que está com saudade do velho companheiro e segue em frente. E assim digo que são abençoadas todas as pessoas que envelhecem em suas boas lembranças. E aqui não vou dizer absolutamente nada sobre os canalhas de cabelos brancos que roubaram o nosso dinheiro e prostituíram os nossos sonhos e esperanças políticos. Eles que se danem. E o meu travesseiro segue macio e sem máculas.

Taquarenadas

 Carrego muitos dezembros aos canteiros da minha vida. A maioria ficou esquecida em algum canto do jardim, perdida por entre as folhas dos morangos, frutas que a minha santa mãe cuidava assim como cuidava dos oito filhos – e também do marido. E assim devo deixar; velhos natais são sempre abelhas que apenas desejam viver em paz. E por não ser mais o moleque dos velhos tempos taquarenses, não vou atirar pedras em velhas lembranças já esquecidas, incomodar o vespeiro, encher o saco das abelhas.

Mas houve um dezembro manso em minha vida, coisa de quase sessenta anos atrás. Luiz Peçanha, meu padrinho, passou em casa e me deixou um presente de natal, uma bola de capotão, oficial, número cinco. E aquela bola rolou pelos campinhos e eu, sem saber ainda, que ela estava a me dizer o quanto eu deveria rolar pelos caminhos da vida.

Foram tardes mágicas que passamos, a bola, os meus amigos e eu. Afinal, era a nossa primeira bola oficial. Na esquina da rua Paula Bueno com a José de Villagelin Neto, defronte do Armazém do Furian, tinha um açougue, onde eu ia buscar sebo para passar na pele da bola de capotão. A bola ora dormia na casa do Pão Com Môio, ou debaixo da varanda do Tuca, ou também protegida sob a minha cama.

Certa feita, minha mãe queria que eu a acompanhasse até a sua cabeleireira, na época chamada de instituto de beleza, quase perto da Igreja Nossa Senhora das Dores, no Cambuí, uma subida de quase um quilômetro e meio. E eu relutei e dei um chute na parede do quintal. Fiquei de castigo e, uns minutos depois, o Tuca, meu melhor amigo, e o primeiro a partir da vida, gritou meu nome à sombra do pessegueiro que nascia sob a minha janela. Peguei a bola e a joguei por sobre o muro, dizendo que eu estava de castigo. Ele jogou a bola de volta e disse que ia ficar comigo, jogando futebol de botão no alpendre de casa. E assim ficamos até que um outro amigo apareceu perguntando se a gente não jogaria a dita pelada da tarde.

Tuca respondeu que eu estava de castigo e dali a pouco todos os amigos estavam em casa, onde armamos um campeonato de botão. Foi um dos melhores castigos da minha vida.

Foram muitas as dores da minha vida e toda a vez que um novo ano surge, penduro os olhos nas minhas lembranças por sobre o portão da minha vida, aguardando a chegada do meu padrinho, com uma nova bola de capotão. E assim será mais um farto presente, à alegria dos amigos e do pão farto de solidariedade, todos ainda presentes nas minhas lembranças.

Chato mesmo é passar pela velha esquina da Rua Paula Bueno e não ver mais o açougue aberto, o nunca mais não poder mais ganhar um pequeno pedaço de sebo para amaciar o couro surrado das minhas lembranças. E mais um ano nasceu e não faço mais ideia se ainda existe bola de capotão. E nem padrinho tenho mais. Nem pai e nem mãe. E nem mesmo o resto de uma bola de capotão. Mas tenho uma coisa que até hoje ainda guardo: o surrado couro das minhas lembranças.

Bom dia.

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PS.: As fotos incluídas nesta reportagem são de minha autoria e do arquivo pessoal do artista.





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